Crítica | “Eternamente Amándonos”: entre o peso da tradição e a fragilidade das emoções

Alejandra Robles Gil e Marcus Ornellas em Eternamente Amándonos (Foto: TelevisaUnivision)

Produzida por Silvia Cano e exibida originalmente em 2023 pela Televisa, Eternamente Amándonos é uma adaptação do drama turco İstanbullu Gelin (A Noiva de Istambul), mas que, em vez de apenas importar uma história, tenta ressignificá-la dentro do universo da telenovela mexicana. A novela entrega uma trama emocionalmente carregada, com personagens complexos e relações familiares tensas, mas sofre também de desequilíbrios narrativos e excesso de didatismo melodramático.

A história começa com um romance aparentemente simples: Paula (Alejandra Robles Gil) é uma mulher independente, musicista, livre, acostumada a viver de suas próprias escolhas. Ela conhece Rogelio (Marcus Ornellas), um homem gentil e apaixonado, mas que carrega uma bagagem familiar pesada. O amor entre os dois é impulsivo, verdadeiro, e os leva ao casamento quase imediato. O que Paula não esperava era que, ao se casar com Rogelio, também se casaria com a família dele — especialmente com a matriarca Martina Rangel de Iturbide (Diana Bracho), uma mulher que carrega nas costas o legado, o prestígio e as dores de uma linhagem tradicionalista de Morelia.

Martina não é apenas o típico estereótipo de sogra vilanesca: ela é uma mulher marcada por tragédias, pela rigidez com que teve que se moldar ao papel de chefe de família, e que agora vê sua autoridade ser ameaçada pela entrada de uma jovem “outsider”. É nesse conflito geracional e emocional que a novela encontra seu melhor terreno. A relação entre Martina e Paula é construída com nuances, idas e vindas, rejeições e aproximações que fogem um pouco da caricatura, graças ao talento de suas intérpretes. Diana Bracho, com sua elegância amarga e olhar sempre carregado de subtexto, entrega uma das atuações mais densas da novela. Ela faz de Martina uma personagem real, que causa repulsa, empatia, piedade e admiração ao longo dos capítulos — especialmente quando a trama introduz o Alzheimer como parte de seu arco final, humanizando ainda mais suas reações e fragilidades.

Alejandra Robles Gil, embora menos experiente, sustenta bem o papel de Paula. Sua atuação é contida, madura, e confere à personagem uma força serena que contrasta com os excessos ao redor. Já Marcus Ornellas, como Rogelio, é funcional: correto, presente, mas limitado por um roteiro que frequentemente o posiciona como espectador das tensões, em vez de motor de conflito. Ele é, muitas vezes, o homem que não consegue mediar as duas mulheres de sua vida — e esse conflito, embora verossímil, é pouco explorado em profundidade.

Alguns personagens secundários, como Erika (Rossana Nájera) e Lucas (Kaleb Acab), apresentam potencial dramático que se perde ao longo da narrativa. Em certos momentos, a trama parece refém da necessidade de preencher espaço, criando subtramas redundantes ou que se resolvem de forma abrupta. Há também vilões que beiram o unidimensional, como Imelda (Gema Garoa), que opera na cartilha clássica da inveja e da manipulação, sem nuances psicológicas mais ricas.

Cena final de Eternamente Amándonos (Foto: TelevisaUnivision)

Visualmente, a novela é primorosa. A cidade de Morelia, com sua arquitetura colonial e paisagens amplas, funciona como um personagem silencioso, simbolizando o peso das tradições que amarram os protagonistas. A trilha sonora, pontuada por temas suaves e instrumentais melancólicos, ajuda a construir a atmosfera emocional da obra — sem exageros, mas com sensibilidade.

Narrativamente, Eternamente Amándonos é uma obra que respeita a lógica do melodrama clássico. A paixão arrebatada, o sofrimento íntimo, o perdão difícil, os segredos de família — todos os ingredientes estão presentes. Mas há também uma tentativa, ainda que discreta, de atualizar certos temas: o feminismo discreto de Paula, a desconstrução do modelo familiar rígido, a denúncia do capacitismo quando Martina enfrenta a doença. Esses elementos enriquecem a trama, mas muitas vezes são abafados por escolhas mais conservadoras, que preferem repetir fórmulas em vez de arriscar verdadeiramente.

Apesar disso, a novela cumpre bem o seu papel como drama afetivo. É envolvente, bem interpretada e possui momentos de grande intensidade emocional. Sua maior virtude está justamente em apostar na fragilidade dos sentimentos: o medo de perder o controle, a dificuldade de envelhecer, o conflito entre amar e abrir mão. Quando a novela se permite ser humana — e não apenas dramática —, ela brilha.

Eternamente Amándonos é uma novela que caminha entre a rigidez do passado e a possibilidade de um futuro mais leve. Produzida com esmero por Silvia Cano, entrega um melodrama bem feito, ainda que por vezes engessado por convenções antigas. Sua força está nos personagens centrais, especialmente na presença magnética de Diana Bracho. Para o público que busca uma história intensa, com carga emocional genuína e reflexões sobre família, identidade e perdão, é uma aposta segura — ainda que sem grandes surpresas.

Redação

Paulista do interior, apaixonado por novelas, séries e filmes. Gamer nas horas vagas e entusiasta da cultura pop.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

Formulário de contato