Juegos de Amor y Poder encerrou sua exibição na última sexta-feira, 4 de julho, após uma temporada que, sem dúvidas, trouxe à televisão mexicana uma das tramas mais densas, provocativas e politizadas dos últimos anos. Produzida por Carlos Bardasano (Si nos Dejan) para o horário nobre do Las Estrellas, a novela tinha como missão não apenas entreter, mas também refletir as complexas tensões da sociedade contemporânea mexicana, abordando temas como corrupção política, manipulação midiática, justiça falha e conflitos morais profundos. Adaptada da obra chilena Juegos de Poder, ela apresentou ao público uma narrativa que dialoga diretamente com o clima atual do país, além de apostar em personagens multifacetados, longe do maniqueísmo que tantas vezes caracteriza o gênero.
No centro da história está Luciana Espinoza (Claudia Martín), uma psicóloga marcada pela perda dos pais na infância, que se envolve romanticamente com Roberto Roldán (Arap Bethke), um promotor especializado em homicídios, depois que ele a salva de um assalto. Paralelamente, Enrique Ferrer (Eduardo Santamarina), um político ambicioso com aspirações à presidência, enfrenta uma grave crise quando seu filho, Adrián (Tristán Maze), atropela dois irmãos durante uma noite de imprudência, causando a morte de um deles. Para proteger sua carreira, Enrique acoberta o crime, manipulando provas e aliados para evitar um escândalo. Essa decisão dá início a uma investigação conduzida por Roberto, cuja busca obstinada por justiça ameaça revelar os segredos mais sombrios da família Ferrer.
Enrique Ferrer é a personificação do político carismático e maquiavélico, que joga com todas as peças ao seu favor para alcançar a presidência, não hesitando em manipular, ameaçar e destruir quem for preciso para proteger sua imagem. Eduardo Santamarina dá vida a um personagem complexo, que ora se mostra um pai amoroso e um homem público exemplar, ora revela sua face mais fria e calculista.
O romance entre Luciana e o promotor Roberto Roldán adiciona uma camada emocional intensa à trama, trazendo um contraponto humano à dureza dos jogos políticos. Roberto representa a luta pela justiça em meio a um sistema corrompido, mas também é um personagem que enfrenta seus próprios conflitos internos. A química entre Bethke e Martín é palpável, sustentando o romance sem que ele pareça um artifício para aliviar o peso da história.
Além do núcleo principal, Juegos de Amor y Poder investiu na construção de subtramas que enriquecem o panorama social da novela. Patricio Ferrer, interpretado por Lambda García, é um dos destaques nesse sentido, trazendo para o centro da narrativa o debate sobre identidade sexual e as pressões familiares que permeiam a homofobia velada em ambientes tradicionais e conservadores. Sua luta para assumir sua verdade e buscar aceitação, especialmente diante do pai e da sociedade, é um arco sensível e bem desenvolvido, que foge dos estereótipos simplistas e apresenta nuances emocionais profundas.
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Alan Slim (Germán) e Carlos Said (Memo) em Juegos de Amor y Poder (Foto: TelevisaUnivision) |
Outros personagens, como o vilão Memo (Carlos Said) e a preconceituosa Inés (Mayrín Villanueva), completam o mosaico da novela com atuações consistentes e personagens cheios de camadas. Inés, esposa de Enrique, é especialmente memorável — uma mulher sofisticada e moralmente ambígua, que parece atuar como a verdadeira mente por trás da manutenção do império Ferrer. Suas ações e decisões frequentemente influenciam os rumos da trama, sendo crucial para a construção da tensão dramática.
A produção investiu fortemente em sua estética visual para traduzir a atmosfera densa e opressora da história. A direção geral de Carlos Cock Marín, aliada à fotografia de tons frios e contrastes de iluminação que diferenciam os espaços políticos dos ambientes pessoais, cria um ambiente onde a tensão é constante e palpável. O uso estratégico da trilha sonora e da montagem contribuem para manter o ritmo acelerado, com reviravoltas quase constantes, mas sem perder a clareza na exposição dos fatos. O figurino também merece destaque: desde o vestuário elegante e controlado de Inés até o estilo mais discreto e funcional de Luciana, cada detalhe reforça as características e trajetórias dos personagens.
Apesar da robustez da trama, nem tudo caminhou de forma impecável. A novela sofreu, em sua reta final, com o acúmulo excessivo de personagens e subtramas que, em alguns momentos, desviaram o foco da narrativa principal. Isso resultou em conclusões apressadas para arcos que mereciam mais tempo e desenvolvimento, o que causou uma sensação de desequilíbrio e, por vezes, de superficialidade em determinadas resoluções. Alguns espectadores apontaram ainda que a inserção de certos elementos dramáticos parecia forçada, comprometendo a coerência construída ao longo dos episódios iniciais.
Mesmo assim, a qualidade geral da produção, o comprometimento dos atores e a abordagem madura dos temas garantiram que Juegos de Amor y Poder permanecesse relevante e impactante até o último capítulo. A novela soube combinar o entretenimento com a reflexão, apresentando um retrato realista e perturbador das engrenagens do poder, sem esquecer que, no centro de toda grande história, estão as pessoas — suas escolhas, erros, amores e dores. Ao trazer para o horário nobre uma narrativa que não teme confrontar as sombras do sistema político e social, a produção mostrou que o melodrama, quando bem executado, ainda é capaz de surpreender, emocionar e provocar debates essenciais.
Com o encerramento da novela, fica a expectativa pelo que virá a seguir no horário das 21h30 da Televisa. No entanto, Juegos de Amor y Poder certamente deixa um legado importante: o de que é possível renovar o gênero sem abrir mão de sua essência, ampliando o horizonte temático e formal da telenovela mexicana. Para o público e para os profissionais da televisão, é uma prova de que histórias complexas e bem contadas ainda têm lugar garantido na grade — e que o público está cada vez mais exigente, disposto a acompanhar tramas que desafiem, incomodem e envolvam em igual medida.
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