Produzida por José Alberto Castro (La Que No Podía Amar, La Desalmada) e exibida entre outubro de 2022 e fevereiro de 2023 na principal faixa noturna do Las Estrellas, Cabo surgiu com a promessa de resgatar o melodrama tradicional em sua forma mais pura: passional, repleto de reviravoltas familiares e ambientado em um cenário luxuoso e sedutor. Baseada livremente em Tú o Nadie, novela de Marissa Garrido consagrada nos anos 1980, a nova versão trouxe um ar mais contemporâneo, sem abandonar os pilares clássicos do gênero. O resultado é uma novela visualmente impecável e conduzida com segurança, mas que, apesar de seus méritos, encontra dificuldades para se reinventar ou propor algo além da superfície.
A trama parte de uma premissa bastante conhecida do público: Sofía (Bárbara de Regil), uma jovem humilde e honesta, casa-se com um homem que acredita ser Alejandro Noriega, herdeiro de um império empresarial. No entanto, descobre que foi enganada por Eduardo (Diego Amozurrutia), o verdadeiro autor da farsa e irmão do verdadeiro Alejandro (Matías Novoa). O casamento falso, motivado por interesses financeiros, prende Sofía em uma teia de chantagens e manipulações. Quando o verdadeiro Alejandro reaparece, ferido e revoltado com a situação, a protagonista se vê dividida entre a rejeição inicial e o crescente sentimento por um homem que, apesar de ser vítima como ela, representa tudo o que ela passou a temer.
Se a sinopse parece familiar, é porque Cabo se ancora deliberadamente na estrutura de novelas clássicas — e José Alberto Castro sabe explorar isso com habilidade. O cenário paradisíaco de Los Cabos não é apenas um pano de fundo estético: é parte essencial da atmosfera da novela. O contraste entre o luxo dos resorts, os iates, os vestidos de gala e a corrupção moral dos personagens é construído de maneira quase simbólica, como se a beleza do ambiente servisse de máscara para a degradação interior dos vilões.
Visualmente, a novela impressiona. A direção de cena investe em planos abertos, fotografia quente e direção de arte que valoriza a sofisticação. Em um momento em que muitas produções apostam no realismo ou em cenários urbanos e densos, Cabo se propõe a ser escapista — e acerta ao oferecer uma experiência visual envolvente, que contribui para a imersão no melodrama.
O elenco é outro trunfo da produção. Bárbara de Regil, conhecida principalmente por seus papéis em séries de ação, estreia em novelas da Televisa com uma performance surpreendentemente contida. Sua Sofía foge da protagonista chorosa: é uma mulher de fibra, que reage às situações com coragem e ética. Ainda assim, a personagem sofre com limitações de roteiro que a colocam em situações repetitivas e por vezes incoerentes — o que acaba prejudicando o brilho de sua atuação.
Matías Novoa, como Alejandro, entrega um galã melancólico, mais introspectivo do que carismático. Sua interpretação é correta, mas por vezes carece de impacto emocional, sobretudo em cenas de confronto. Por outro lado, Diego Amozurrutia brilha como o vilão Eduardo. Seu desempenho é sedutor, cínico e cheio de nuances, lembrando vilões clássicos do gênero, mas com uma modernidade que o torna ainda mais ameaçador. Eduardo é daqueles personagens que o público ama odiar — o que contribui para o dinamismo da novela.
Entre os coadjuvantes, destaca-se a atuação de Rebecca Jones, em sua última participação na televisão antes de seu falecimento. Sua Lucía Noriega é uma matriarca rígida, sofisticada e implacável, que personifica o peso das convenções familiares e do status social. A atriz imprime elegância e profundidade a um papel que poderia ser apenas decorativo, transformando-o num símbolo da moral decadente da elite retratada na novela.
Contudo, Cabo não está isenta de falhas. O maior problema reside em seu roteiro. Ainda que a adaptação escrita por Larissa Andrade respeite a base melodramática da obra original, ela pouco ousa em modernizar os conflitos. A história, embora envolvente, é previsível em muitos de seus desdobramentos. O espectador atento logo percebe os caminhos que a narrativa seguirá, o que reduz o impacto de algumas revelações.
Além disso, há uma evidente dificuldade em sustentar a tensão dramática ao longo de mais de 80 capítulos. A repetição de conflitos, as idas e vindas de alianças familiares, as armadilhas e chantagens que se sucedem quase mecanicamente criam uma sensação de estagnação narrativa. Em determinados momentos, a novela parece girar em círculos, protelando resoluções em nome de um prolongamento artificial da trama.
Outro ponto fraco está na exploração desigual dos personagens secundários. Muitos deles surgem com potencial interessante — seja como aliados inesperados, seja como antagonistas discretos — mas são subaproveitados ou simplesmente desaparecem sem desfechos satisfatórios. Há um desequilíbrio narrativo que concentra o foco em Sofía, Alejandro e Eduardo, em detrimento de um universo mais amplo que poderia enriquecer o enredo.
Mesmo assim, Cabo não deixa de ser uma novela eficiente no que se propõe. Sua proposta de resgatar o melodrama clássico em um contexto de sofisticação visual e ritmo contemporâneo é bem executada. Falta-lhe ousadia, é verdade — tanto para desconstruir clichês quanto para se aprofundar em temas sociais ou psicológicos. Mas para quem busca uma novela envolvente, bem produzida e com atuações sólidas, Cabo entrega uma experiência satisfatória, ainda que sem grandes surpresas.
Em sua essência, Cabo é um exercício de estilo: uma novela que se destaca mais pela forma do que pelo conteúdo, mas que reafirma a força do melodrama na televisão mexicana. Mesmo com suas limitações, prova que há espaço — e público — para histórias de amor, traição e redenção, desde que contadas com paixão e competência.
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