Crítica | “Las Hijas de la Señora García”: um retrato amargo, intenso e atual da relação entre mães e filhas

Oka Giner, María Sorté e Ela Velden em Las Hijas de la Señora García (Foto: TelevisaUnivision)

Nem sempre o amor materno vem em forma de colo. Em Las Hijas de la Señora García, a novela que conquistou a audiência do Las Estrellas entre novembro de 2024 e março de 2025, esse amor aparece com controle, culpa e ambição. Com produção de José Alberto Castro (Teresa, La Que No Podía Amar), a história adapta o sucesso turco Fazilet Hanım ve Kızları (2017) para um cenário urbano e mexicano, onde a figura materna é tanto alicerce quanto prisão. O resultado é um melodrama com alma contemporânea, personagens femininas fortes e muitas camadas — ainda que nem todas bem resolvidas.

No centro da trama está Ofelia García (María Sorté), uma mulher marcada pela frustração e pelo ressentimento, que criou as filhas sozinha após ser abandonada. Ela enxerga nas filhas uma extensão de seus próprios sonhos interrompidos. Seu amor é sufocante, exigente, quase sempre revestido de manipulação. Mais do que uma mãe protetora, ela é uma estrategista: vê o mundo como um campo de batalha onde as filhas precisam vencer a qualquer custo — mesmo que percam a si mesmas no processo.

Entre as filhas, o contraste é evidente. Valeria (Oka Giner) é a mais forte, prática e emocionalmente blindada. É ela quem sustenta a casa com seu trabalho, é ela quem bate de frente com a mãe, é ela quem não aceita ser usada. Seu arco é o mais sólido e bem construído da novela. Valeria passa por uma relação abusiva com Arturo Portilla (Brandon Peniche), homem impulsivo, ciumento e controlador, cujo amor se transforma em cárcere emocional. O relacionamento entre os dois se torna o fio condutor de uma discussão delicada sobre violência psicológica e autonomia feminina. O processo de libertação de Valeria, ao longo da novela, é tratado com seriedade e sensibilidade — sem pressa, sem atalhos, e com cenas de peso emocional que marcaram a trama.

Mar (Ela Velden), por sua vez, é o oposto. Sonhadora, vulnerável e sempre em busca de afeto, é a filha que mais se deixa manipular por Ofelia. A mãe a vê como um bilhete de loteria: bela, jovem, moldável. Mar acaba sendo envolvida nos jogos sociais de Ofelia, colocada no centro das atenções como uma “candidata ideal” para subir na vida por meio de um casamento vantajoso. Seu envolvimento com Nicolás Portilla (Emmanuel Palomares) — o mais sensível dos irmãos Portilla — é mais doce e terno, mas também passa por inseguranças e interferências constantes.

A relação entre Ofelia e as duas filhas é o que sustenta emocionalmente a novela. Não se trata apenas de desentendimentos familiares típicos de folhetins, mas de traumas profundos: o que é crescer sendo usada como ferramenta para os sonhos da mãe? Como se libertar de um amor que cobra, que pressiona, que sufoca? Essas perguntas ecoam em cada capítulo, fazendo de Las Hijas de la Señora García uma novela que fala menos de romance tradicional e mais de reconstrução pessoal.

Emmanuel Palomares, Oka Giner e Brandon Peniche em Las Hijas de la Señora García (Foto: TelevisaUnivision)

Outro destaque da novela é a forma como apresenta os irmãos Portilla — figuras masculinas com funções dramáticas bem definidas. Arturo, o possessivo, representa o perigo das relações tóxicas travestidas de paixão. Nicolás, o afetuoso e racional, simboliza uma nova masculinidade, mas ainda presa às pressões familiares. Já Leonardo (Juan Diego Covarrubias), o mais velho, funciona como o elo de poder e tradição dentro da família rica, oferecendo contraponto à instabilidade emocional dos irmãos mais novos.

A novela acertou ao tratar temas delicados com maturidade — como abuso psicológico, dependência emocional, frustrações femininas, e a invisibilização de mulheres trabalhadoras. Não caiu no panfletarismo e deixou espaço para o espectador absorver as complexidades dos personagens sem precisar ser didática.

Contudo, a produção tropeçou justamente quando mais precisava de firmeza. Na reta final, o texto se entregou a excessos: tiroteios, mortes repentinas, reviravoltas abruptas. A narrativa que vinha tão emocionalmente consistente passou a correr atrás do impacto, e perdeu parte da profundidade que sustentava sua força. Para piorar, os três finais alternativos oferecidos ao público — um para cada “possibilidade” de conclusão — diluíram o clímax dramático. O final de Valeria, em que ela escolhe seguir sozinha, foi o mais elogiado por sua coerência e simbolismo, mas a fragmentação da história tirou o peso de uma conclusão única e definitiva.

Esteticamente, Las Hijas de la Señora García foi primorosa. A fotografia urbana, os figurinos elegantes, a trilha sonora discreta e a direção sensível contribuíram para criar uma atmosfera sóbria e sofisticada. O elenco esteve afiado, com destaque para Oka Giner, que entregou uma Valeria contida, dolorida e forte — uma protagonista que foge dos estereótipos.

No fim das contas, a novela deixou sua marca por saber falar de assuntos sérios com emoção e humanidade. É uma história sobre mulheres tentando se libertar das vozes que as moldaram, sobre mães que amam de forma destrutiva, sobre filhas que aprendem a se ouvir. Um folhetim que, mesmo tropeçando no excesso, ousou ser diferente — e por isso merece ser lembrado.

Redação

Paulista do interior, apaixonado por novelas, séries e filmes. Gamer nas horas vagas e entusiasta da cultura pop.

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