Crítica | “Nadie como Tú”: um romance tradicional em embalagem sofisticada, mas sem frescor

Karla Esquivel e Brandon Peniche em pôster promocional de Nadie como Tú (Foto: TelevisaUnivision)

Nadie como Tú, novela mexicana produzida por Ignacio Sada Madero para a extinta faixa das 16h30 do canal Las Estrellas, é uma produção que desde o primeiro capítulo deixa claro seu desejo de homenagear o melodrama rural clássico, tão presente na história da teledramaturgia do país. Com 121 capítulos exibidos entre agosto de 2023 e janeiro de 2024, a trama é ambientada no interior do México, mais especificamente na região produtora de mezcal em Oaxaca, e gira em torno da rivalidade entre duas famílias que disputam poder, honra e tradição — pano de fundo para o romance proibido entre os protagonistas. Apesar do forte investimento em ambientação e de alguns acertos no elenco e na produção técnica, a novela sofre com a previsibilidade de seu roteiro e a falta de inovação em sua construção narrativa, entregando um produto visualmente belo, mas emocionalmente limitado.

A história segue Ximena e Salvador, interpretados por Karla Esquivel e Brandon Peniche, dois jovens herdeiros que se apaixonam apesar do ódio histórico entre suas famílias. É uma estrutura dramática que remete diretamente a clássicos como Romeu e Julieta, passando por diversas versões anteriores em novelas mexicanas, inclusive a já conhecida El Manantial, da qual Nadie como Tú se inspira diretamente. Nesse sentido, o enredo não surpreende: os dilemas são os mesmos de tantas outras histórias já contadas — pais autoritários, segredos do passado, traições e revelações que alimentam os conflitos familiares. O que poderia ser uma releitura moderna e ousada do melodrama tradicional acaba se limitando a uma reprodução fiel de suas fórmulas mais convencionais.

Mesmo assim, há méritos na execução. A direção de arte é caprichada, e a produção demonstra um notável cuidado ao recriar o universo do mezcal, envolvendo o telespectador em um ambiente carregado de identidade cultural. As locações externas são bem aproveitadas, os cenários naturais de Oaxaca conferem autenticidade à narrativa, e a fotografia valoriza essas paisagens com composições elegantes e sensibilidade estética. A trilha sonora instrumental acompanha bem o clima da trama, e a música-tema interpretada por Majo Aguilar reforça o tom passional que permeia a novela. Esses elementos técnicos funcionam como os pilares que sustentam a experiência visual do público, compensando, em parte, as fragilidades do roteiro.

O elenco principal desempenha seus papéis com competência, embora sem grandes destaques. Karla Esquivel entrega uma performance correta, ainda que limitada por uma personagem excessivamente idealizada e pouco complexa. Ximena é a típica mocinha de novela tradicional: determinada, sofrida, corajosa e vulnerável nas doses certas, mas carente de aprofundamento emocional que a tornasse mais real e menos arquetípica. Brandon Peniche, por sua vez, interpreta Salvador com certa contenção, o que acaba reduzindo o impacto de seu drama pessoal. A química entre os dois existe, mas está longe de ser arrebatadora.

(Foto: TelevisaUnivision)

Nos papéis antagônicos, Alejandra Barros e Elizabeth Álvarez assumem a responsabilidade de mover o enredo com vilanias calculadas e atuações que seguem o tom campestre da novela, embora sem fugir do lugar-comum. Ambas são atrizes experientes e carismáticas, mas seus personagens carecem de nuances, tornando-se figuras maniqueístas e previsíveis. O mesmo problema se repete com alguns personagens secundários, que servem mais como elementos funcionais à trama do que como figuras com arcos dramáticos próprios. Há, porém, um destaque positivo e inesperado na subtrama envolvendo duas personagens femininas — interpretadas por Claudia Troyo e Dayren Chávez — que vivem um romance LGBTQ+ tratado com naturalidade e sensibilidade, algo ainda raro em novelas desse horário. A inclusão dessa trama representa um avanço, ainda que discreto, no que diz respeito à representatividade e à modernização do gênero.

Apesar desses méritos, a narrativa como um todo é prejudicada por um roteiro que se apoia demais em situações já vistas, sem a ambição de romper com estruturas antigas ou de propor novas abordagens. As reviravoltas são anunciadas com antecedência, os conflitos se arrastam por vários capítulos sem desdobramentos relevantes, e a sensação de estagnação domina trechos inteiros da novela. A falta de ritmo, aliada à ausência de surpresas, compromete o envolvimento emocional do público, especialmente em uma obra longa como essa. A direção, ainda que competente nos aspectos técnicos, também falha em imprimir maior intensidade aos momentos dramáticos, que frequentemente perdem força devido à condução morna e à repetição de fórmulas.

Em termos de proposta, Nadie como Tú acerta ao tentar oferecer ao público uma novela enraizada na tradição mexicana, com uma estética regional forte e apelo emocional familiar. É um produto que claramente foi pensado para agradar um público fiel ao melodrama clássico, e nesse sentido, cumpre seu papel. No entanto, falta à novela uma visão mais ousada, capaz de repensar as estruturas do gênero e propor algo novo dentro do já conhecido. É uma produção que valoriza suas raízes, mas não se arrisca a crescer para além delas.

Assim, o resultado final é o de uma obra bem realizada tecnicamente, com boa ambientação e um elenco dedicado, mas que desperdiça seu potencial ao se prender a um texto engessado, previsível e pouco inventivo. Para quem aprecia o conforto do melodrama tradicional, com paisagens bonitas e paixões intensas, Nadie como Tú certamente é um prato cheio. Mas para quem busca histórias mais complexas, personagens mais humanos e tramas com maior densidade emocional, a novela deixa a desejar. É um exemplo de como a forma pode superar o conteúdo, e de como a beleza externa nem sempre é suficiente para disfarçar a falta de profundidade.

Redação

Paulista do interior, apaixonado por novelas, séries e filmes. Gamer nas horas vagas e entusiasta da cultura pop.

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