Chegou ao fim na última sexta-feira (27) Garota do Momento, novela das seis da Globo que, ao longo de mais de 200 capítulos, conseguiu resgatar o melodrama clássico com alma moderna, apostando em uma história de reencontros, memórias fragmentadas e identidades reconstruídas. Escrita por Alessandra Poggi e dirigida por Natália Grimberg, a trama foi ambiciosa desde o início, com a missão clara de devolver ao público o prazer de acompanhar uma boa novela romântica no fim da tarde. E, em grande parte, cumpriu essa missão com sensibilidade, direção caprichada e interpretações intensas.
No centro da história, Beatriz (Duda Santos) cresceu à sombra de um mistério: separada da mãe na infância, foi criada pela avó Carmem (Solange Couto), sem saber que sua verdadeira mãe, Clarice (Carol Castro), havia perdido a memória após um acidente. Clarice foi manipulada por Maristela (Lilia Cabral) e seu filho Juliano (Fábio Assunção), que a fizeram acreditar que a ardilosa Bia (Maisa Silva) era sua filha. É a partir dessa trama de mentiras, feridas e reencontros que a novela construiu sua espinha dorsal, com um apelo emocional potente e envolvente.
Um dos grandes méritos da produção foi seu elenco feminino. Duda Santos brilhou em seu primeiro papel de protagonista, entregando doçura, força e carisma à sua Beatriz. Carol Castro soube dosar fragilidade e firmeza como a mulher sem memória que precisa reaprender a viver. Maisa surpreendeu ao dar vida à antagonista que fugia do arquétipo da vilã caricata: Bia era impulsiva, imatura, e por vezes até trágica, mas também humana. Já Paloma Duarte roubou a cena como Lígia, mãe de Beto (Pedro Novaes), numa interpretação densa, emocional e elogiada do início ao fim.
Aliás, o núcleo formado por Lígia e Raimundo (Danton Mello) ofereceu à novela uma maturidade dramática rara, tratando com delicadeza temas como reconciliação, culpa, perdão e a passagem do tempo. A relação entre mãe e filho, entre ex-amores, entre pais e erros do passado, tudo foi tratado com sutileza, sem pressa, numa narrativa que valorizava o silêncio e o não dito tanto quanto o conflito aberto. Foi nesse núcleo, inclusive, que a novela encontrou seu lado mais adulto — e, talvez, mais bonito.
O romance entre Beatriz e Beto, por sua vez, garantiu o fio condutor da paixão que o público tanto espera de uma novela das seis. A química entre Duda Santos e Pedro Novaes funcionou desde os primeiros encontros e sobreviveu até os últimos capítulos, mesmo diante de obstáculos, separações e armações. O casal central carregou a trama com dignidade, emoção e leveza, sem nunca parecer artificial.
Mas nem tudo funcionou. Garota do Momento sofreu com alguns problemas de ritmo e estrutura, especialmente em sua segunda metade. Após a revelação da verdadeira identidade de Beatriz, a novela perdeu fôlego em certos momentos, apostando em subtramas que não empolgavam e esticando arcos que já pareciam resolvidos. A vilania de Bia, por exemplo, se tornou repetitiva, e o fato de a personagem não ter sido devidamente punida ou confrontada em sua totalidade deixou um gosto amargo no público, que esperava um desfecho mais justo.
Outro ponto sensível foi o tratamento dado à representatividade LGBTQIA+. O arco do jovem Guto, que tratava com delicadeza e cuidado sua descoberta e aceitação como um adolescente gay, prometia ser um avanço importante — até que, nos últimos capítulos, a direção da novela optou por não exibir um beijo entre o personagem e seu par. A censura silenciosa revoltou parte da audiência, que viu ali um retrocesso incompatível com a proposta moderna da novela. Foi um ruído doloroso em uma produção que, até ali, vinha lidando com temas sociais de forma madura e respeitosa.
Visualmente, Garota do Momento foi impecável. O cuidado com a ambientação dos anos 1950 — dos figurinos aos objetos de cena, passando pela trilha sonora — deu à novela uma identidade visual coesa e charmosa, contribuindo para a imersão do público. A direção de arte foi um espetáculo à parte, e a fotografia, com tons quentes e suaves, reforçou a proposta nostálgica do projeto.
Em termos de audiência, a novela também correspondeu: estreou em alta, manteve bons índices ao longo de toda sua exibição e conquistou uma base fiel de espectadores. Nas redes sociais, o engajamento foi constante, com o público reagindo a cada reviravolta e defendendo seus personagens preferidos com entusiasmo. Foi, sem dúvida, a novela das seis mais comentada dos últimos anos, com fôlego que muitas vezes ultrapassou o horário e alcançou o público do horário nobre.
Garota do Momento foi, acima de tudo, uma novela com alma. Uma história que apostou em emoções genuínas, personagens com camadas e um melodrama bem conduzido. Não escapou de tropeços, é verdade. Mas acertou mais do que errou. E, principalmente, tocou o coração de quem acompanhou sua jornada. Em um cenário cada vez mais apressado e raso, entregou uma trama que pediu tempo, escuta e envolvimento — e isso, por si só, já é um feito raro.
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