Perdona Nuestros Pecados, exibida originalmente em 2023 na faixa das 18h30 do Las Estrellas, representa uma guinada ousada na trajetória de Lucero Suárez, uma das produtoras mais consistentes da Televisa. Conhecida por obras mais leves e tradicionais como Enamorándome de Ramón e Ringo, Suárez surpreende ao assumir uma narrativa carregada de tensão emocional, com temas delicados e uma atmosfera opressiva, entregando uma das novelas mais densas e ambiciosas de sua carreira recente. Trata-se de uma adaptação da história chilena homônima, que por sua vez foi um fenômeno em seu país. Mas ao contrário da versão original, ambientada nos anos 1950, a produção mexicana opta por uma ambientação contemporânea, o que amplia o impacto da história. Aqui, os abusos de poder, o machismo, o preconceito e as estruturas de opressão não estão restritos ao passado — eles acontecem hoje, sob nossos olhos.
A trama se desenrola na fictícia cidade de San Juan, dominada pela influência do poderoso e respeitado empresário Armando Quiroga, vivido de forma magistral por Jorge Salinas. Armando é o típico vilão que se esconde atrás do bom nome, da aparência de homem de família e da moral religiosa para controlar tudo e todos ao seu redor. Sua filha, Elsa Quiroga (Oka Giner), se apaixona por Andrés Martínez (Emmanuel Palomares), um rapaz humilde, filho do jardineiro da família. O relacionamento entre os dois é o ponto de partida de uma trama que escancara os conflitos de classe, a hipocrisia da sociedade e os horrores que podem ser cometidos em nome da reputação e do poder. A partir do momento em que o patriarca descobre o romance, inicia-se uma guerra silenciosa — e muitas vezes violenta — para separar os dois jovens, ao mesmo tempo em que segredos do passado começam a emergir e desestabilizar a estrutura da família Quiroga.
Um dos grandes méritos da novela está na forma como conduz sua narrativa com coerência e coesão. Lucero Suárez assume o risco de apostar em um melodrama puro e denso, sem rodeios. E acerta ao fazer isso. A novela mergulha fundo em temas espinhosos como aborto, homofobia, abuso psicológico, violência doméstica, corrupção institucional e repressão religiosa, tratando-os com seriedade e sem escamotear o impacto que causam na vida dos personagens. Essa escolha torna Perdona Nuestros Pecados uma obra incomum para a faixa das 18h — e justamente por isso, marcante.
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Jorge Salinas vive o vilão Armando em Perdona Nuestros Pecados (Foto: TelevisaUnivision) |
O elenco está em sintonia com essa proposta mais madura. Jorge Salinas entrega uma performance contida, fria e absolutamente perturbadora como Armando. Seu vilão não é explosivo, mas manipulador e metódico, daqueles que destroem aos poucos, com crueldade silenciosa. Já Oka Giner, em sua primeira protagonista no horário, surpreende pela entrega emocional e pela força com que defende uma personagem que poderia facilmente cair no estereótipo da mocinha ingênua. Elsa é frágil em alguns momentos, sim, mas também é decidida, questionadora e resiliente. Emmanuel Palomares, por sua vez, cumpre bem o papel de mocinho apaixonado, ainda que seu personagem, por vezes, seja colocado em segundo plano diante da intensidade do núcleo familiar de Elsa. Érika Buenfil, no papel da mãe submissa e emocionalmente esgotada, oferece uma atuação sensível, enquanto Sabine Moussier, como a antagonista Ángela Bulnes, devolve ao horário a figura clássica da mulher venenosa e calculista — sempre divertida de se ver em cena.
Tecnicamente, a novela é sólida. A direção de arte investe em uma estética urbana e sóbria, com paleta de cores frias e ambientes que reforçam o isolamento emocional vivido pelos personagens. A fotografia é discreta, funcional, sem grandes artifícios visuais, mas eficiente em criar o tom sombrio que a história pede. A trilha sonora é bem escolhida, com músicas incidentais que sublinham o drama sem exageros. Em vários momentos, nota-se o esforço da equipe em construir uma atmosfera sufocante, onde os personagens parecem viver sob constante ameaça — uma escolha acertada que ajuda a manter o espectador em estado de alerta.
É verdade que a novela tem seus tropeços. A reta final sofre com o tradicional problema das novelas mexicanas longas demais, com repetições de conflitos e resoluções postergadas para além do necessário. Esses momentos pontuais de desorganização, no entanto, não comprometem a força da história.
O que realmente distingue Perdona Nuestros Pecados é a coragem de tratar seus temas com profundidade, sem maquiar a dor dos personagens e sem recorrer a soluções fáceis. É uma novela que incomoda, que provoca, que exige do público atenção e empatia. E, acima de tudo, é uma novela que reafirma a potência do melodrama clássico como ferramenta de crítica social. Lucero Suárez, ao sair da sua zona de conforto, entrega um trabalho que dialoga com a tradição, mas não se prende ao saudosismo. É uma obra atual, relevante e necessária — que mostra que o melodrama, quando bem feito, ainda é uma linguagem viva, poderosa e absolutamente indispensável.
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Crítica