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Gala Montes, Kimberly Dos Ramos e Emmanuel Palomares em pôster promocional (Foto: TelevisaUnivision) |
Em um cenário onde as telenovelas mexicanas se veem cada vez mais pressionadas por formatos ágeis, narrativas pasteurizadas e a concorrência de plataformas digitais, Vivir de Amor emerge como uma proposta contra a maré. Produzida por Salvador Mejía e exibida no Las Estrellas na extinta faixa das 16h30, a novela foi ao ar entre janeiro e julho de 2024 com uma missão clara: resgatar o melodrama tradicional, aquele de amores contrariados, segredos familiares, rivalidades femininas e trilhas sonoras que acompanham a alma do telespectador. E, surpreendentemente, cumpriu essa missão com brilho, firmeza e atualidade.
Baseada na novela portuguesa Laços de Sangue, a história gira em torno de duas irmãs separadas por um sequestro na infância. Enquanto Angelli (vivida com doçura e dignidade por Kimberly Dos Ramos) cresce cercada de carinho e valores familiares sólidos, Rebeca (Gala Montes) é criada por uma mulher amargurada e ressentida, que transforma sua filha em instrumento de vingança. Ao descobrir sua verdadeira origem, Rebeca decide destruir a irmã, convencida de que aquela vida confortável lhe foi roubada. Essa premissa, típica do folhetim clássico, ganha corpo e emoção nas mãos de um elenco afiado e de uma direção que, mesmo sem grandes ousadias formais, entende a alma do melodrama.
Há uma nítida intenção de valorizar a emoção acima da lógica, e isso funciona. Vivir de Amor não tem pressa em resolver seus conflitos, tampouco esconde que lida com arquétipos bem estabelecidos — a mocinha honesta, a vilã atormentada, o galã íntegro, a matriarca religiosa, o vilão manipulador. Mas dentro dessa estrutura clássica, a novela encontra frescor ao apostar em atuações sentidas e tramas emocionalmente honestas, que não tentam ser modernas por obrigação, mas sim atemporais por essência.
Kimberly Dos Ramos, que já havia demonstrado maturidade dramática em outras produções, encontra aqui seu papel mais completo na Televisa. Angelli não é uma heroína perfeita: ela se abala, duvida, sofre, mas também reage com firmeza. É uma personagem que cresce com o enredo, ganhando complexidade sem perder a empatia. Gala Montes, por outro lado, assume o risco de interpretar uma vilã trágica e impulsiva, que em momentos beira o caricato, mas que convence pela entrega emocional. Sua Rebeca é movida por dor, mágoa e um desejo de pertencimento que a torna mais humana do que monstruosa. Entre as veteranas, Gaby Spanic confirma sua capacidade de dominar a cena com presença e carisma, mesmo em papéis secundários. Já Emmanuel Palomares, no papel do galã tradicional, cumpre com competência sua função, embora sem grandes surpresas.
No aspecto técnico, Vivir de Amor é um produto de qualidade superior ao padrão da faixa. A fotografia é bem composta, com iluminação que valoriza os dramas pessoais sem cair no artificial. A direção aposta em uma linguagem segura e limpa, sem excessos visuais, e a trilha sonora — como bem pontuado por críticos como Álvaro Cueva — resgata a tradição de temas instrumentais marcantes que sublinham os grandes momentos emocionais. Há um esforço visível da equipe em tornar a novela visualmente mais refinada, sem que isso roube o protagonismo das emoções.
Mas é justamente no desenvolvimento a longo prazo que Vivir de Amor enfrenta seus maiores desafios. Como ocorre em muitos folhetins longos da Televisa, o texto começa a se repetir por volta do capítulo 80. Conflitos já resolvidos retornam sob nova roupagem, personagens dão voltas sem evoluir, e o jogo emocional entre mocinha e vilã — que começa como o grande motor da trama — se dilui em subtramas menos impactantes. Há também decisões questionáveis de roteiro, como motivações mal explicadas ou personagens que mudam de postura de forma abrupta para atender à necessidade de criar mais conflito.
Outro ponto que poderia ser melhor trabalhado é a dimensão social da trama. A história lida com temas como abandono infantil, adoção, maternidade, saúde mental e diferença de classes, mas em muitos casos o tratamento é superficial. O foco emocional sobrepõe a crítica social, o que não chega a comprometer a proposta da novela — mas poderia ter enriquecido sua mensagem se abordado com mais profundidade.
Ainda assim, Vivir de Amor entrega o que promete: emoção genuína, personagens bem defendidos e um melodrama à moda antiga com cara de produção atual. Salvador Mejía mostra, mais uma vez, que conhece o DNA do gênero e sabe como conduzir histórias que tocam o público. A novela não é revolucionária, mas também não quer ser. Ela se orgulha de ser um folhetim com alma, feito para se indignar, torcer, perdoar — e, claro, viver de amor.
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Crítica